sábado, julho 03, 2010

#6 - Filosofia de Ponta: Ideias Fixas

Este é um texto que escrevi algures em 2006, e que revisitei no meu espaço do Hotmail. Surpreendida como ainda se mantém actual, volto a publicar.
Não, não vou aqui tecer considerações sobre o Ideiafix, o fiel cão de Obélix, companheiro divertido nas aventuras e camarada voluntário na protecção dos indefesos, da minha saudosa BD, que há tanto tempo que não leio.
Ideia que surge da inspiração de um fantástico texto que um amigo meu tem no blog dele (olá, A .)
De facto, as pessoas vivem de ideias fixas.
Nascemos com uma ideia fixa - ser felizes. É um programa que nos instalam no cérebro, e que somos nós a desenvolver. Mesmo que a mensagem de erro surja irritante e repetidamente, continuamos a fazer OK, sem parar, à espera que o problema se resolva sozinho.
Este conceito de "ser feliz" - ideia fixa por excelência, compõe-se de vários subtítulos, também eles ideias fixas.

A primeira é que só se é feliz quando se tem um bom emprego. Bem, pelo menos quando se TEM emprego. Pois. Não se pode dizer que seja uma mentira pegada... mas então porque é que tantas pessoas se arrastam diariamente para os seus locais de trabalho, carregando nas costas o peso de toneladas de insatisfação? Entramos num autocarro, vemos caras que se contorcem por dentro, mãos que se crispam, olhares cansados de tristeza, absortos, olhando o horizonte longínquo como quem espera o barco salva-vidas que não vem. Estamos numa fila de trânsito, olhamos para as pessoas ao volante do carro ao lado (eu faço isso amiúde...) e raramente vemos um rosto iluminado, trauteando a musiqueta da Rádio, batucando com os dedos no volante. Antes vemos faces carrancudas, a praguejar contra o caos. E vai quase toda a gente para o emprego!!! Esse mesmo que lhes dá a felicidade!!!! Bem, sendo a felicidade um cheque ao fim do mês... ok, são felizes. (alguns, pelo menos...). Mas e o conceito de realização pessoal??? Não conta??? Não, se calhar não conta. Calculo que, por esta ordem de ideias, o nosso primeiro-ministro, ou os administradores nas nossas maiores empresas saiam de casa todos os dias de manhã com um sorriso de orelha a orelha. Ou se calhar nem por isso... (bem, ao nosso Primeiro, desde que magoou a perna na neve, deve custar-lhe mais).

Depois - a ideia de que ter bens materiais é ser feliz - um indivíduo rico é feliz porque é rico. Não contesto, o €€€€ não traz felicidade, mas lá que ajuda... E depois, os mais desprendidos podem sempre usar o vil metal para ir para o Botswana em missão humanitária. Felicidade? Talvez, e muita. Queremos todos ser ricos, a ânsia dos que o são é preencher o vazio de espírito que vem da facilidade entediante das coisas, a ânsia dos que não o são, é ser.... Por isso se joga loucamente no Euro milhões. É uma sociedade de consumo, que valoriza o status, o aspecto, o ter mais que o ser, o poder e quem o detém, o vil metal. Quem pode, pode. Quem não pode... reduz-se à sua insignificância e sai de cima. A Feira das Vaidades instalou-se de tal maneira que as ruas não são ruas, os cafés não são cafés, a assembleia da república não é um local de discussão e resolução das problemáticas da nação: são passerelles de concurso, onde se apura quem mais tem e quem mais pode...
Outra ideia fixa: ninguém é feliz sozinho. CERTO. Mas subverteu-se o conceito de tal maneira, que a definição de "sozinho" é: sem par, sem cônjuge, sem companheiro(a)... Pois sim. Regressamos à dualidade. 2 é o número perfeito (não era o 3??). Só se é perfeito se se for o 1 da expressão 1+1. Isto porque, claro, o resultado desta expressão não é 2, como seria matematicamente correcto, mas antes 1. CONTA ERRADA. 1+1=2, até eu sei isso. O dia de S. Valentim, por exemplo. Pobre santo, que aposto que não queria que usassem o seu nome em vão, é, concerteza, contra esta algaraviada dos ursos de peluche com corações. Tem que ser. Mas percebe-se porque se enfatiza tanto o facto de se ter alguém: as relações já não dão certo, os casais felizes são uma raridade. Logo, quando há escassez... o produto fica-nos mais caro... lei da oferta e da procura. Vários tipos de ideias fixas:
1- A de que se encontramos alguém, e as coisas funcionam, não interessa se não é bem aquilo que queremos... interessa é que seja alguém que esteja connosco, que faça número, e que não nos dê muita chatice. Tipo de relação: Socialmente aceitável, confortável, minimamente estável e... profundamente entediante. E mesmo que se fomente a relação paralela... o que interessa é fazer estatística, jogar no clube dos números pares. Mesmo que seja a mais infeliz das situações, mesmo que sangrem os olhos e os corações dos golpes desferidos pelo ente amado. As amarras não se soltam, porque é pior estar só.
2 - A de que somos uns infelizes e desgraçados seres humanos, só porque não temos o tal par, não temos jantares românticos, não oferecemos nem recebemos flores vermelhas nem peluches com corações. E depois? Deixamos de ser pessoas por isso? Porque vivemos atormentados com essa estúpida ideia? Só porque somos estúpidos. Blind poor stupid people. Mas isso acontece porque há uma discriminação parola em relação a pessoas que se assumem livres e devolutas. "ai, mas ainda não arranjaste marido???", diz-me a Tia Maria de vez em quando na mercearia lá da terra. "Não, Tia Maria, tenho mais que fazer.”, digo eu. "mas olha que ficas para tia!!!!", diz ela. "Ná... isso é que não fico... não tenho irmãos, posso lá alguma vez ficar pra tia...", digo eu outra vez. "pois.. mas olha que vais ficando entradota e depois ninguém te pega..." Diz ela. "Deixe lá, depois faço uma OPV sobre mim própria..." , e com esta é que eu a calei... mas só porque ela não sabia o que era uma OPV. Mas que a Tia Maria diga isto, é normal. A tia Maria tem 70 anos, e nunca saiu da aldeia, para ela, ter marido é condição sine qua non para se ter uma vida decente. Mas que o digam pessoas supostamente esclarecidas, não há magnanimidade que aguente. E que as há, há.... Sozinhos, mas existem outras coisas. Olhem, liberdade de escolha, por exemplo.... Liberdade, no sentido lato. No socks to sew...., pelo menos. E valoriza-se o nosso próprio eu, sem apêndices; a falha, como o sucesso, são da nossa responsabilidade, o tempo também é nosso. E assim podemos gastá-lo com outras coisas. E o mesmo que se diz da alma, diga-se também em relação ao corpo.
3 - A ideia da necessidade de um corpo diariamente ao lado do nosso (ou noutra posição qualquer).... bem, questionável, ainda que a ideia não seja má de todo. Mas que seja por paixão, por desejo, por afinidade, por amor, por amizade, porque sim... mas nunca por comodismo. Corpos são corpos, e o prazer pode obter-se de muitas maneiras... mas corpos também são pessoas. Não as podemos prender, nem a elas, nem a nós próprios. O sexo não pode prender, antes deve libertar. O problema grave e complicado é que, se por um lado se desprestigiou a relação duradoura, vigorando o regime do usa-e-manda-para-a-reciclagem, por outro lado há por aí muita relação se vai mantendo à base de comodismo e inércia. Hélas.
É necessário levantar o real traseiro do banquinho minúsculo (desculpa, A., plagiei esta...) onde vivemos agachados, levantar a cabeça e seguir em frente. Soltar amarras, procurar o que quer que seja que nos realiza verdadeiramente, não por 2 minutos e meio, mas durante o tempo necessário para desfrutarmos dessa felicidade. Ideias fixas, estereótipos fabricados pela Coca-Cola não, por favor. O conceito de felicidade devia ser construído pela mão de cada um, com as directivas que para si são importantes. Sem censuras, sem discriminações, sem bloqueios.
Ideiafix é um cãozinho amoroso, cuja ideia fixa é seguir religiosamente o seu gordo dono das calças às riscas.
Não à subserviência.
C´est tout.