terça-feira, setembro 05, 2006

Myra # 5. Frank

Passaram-se uns dias, durante os quais Myra estivera a arrumar as suas coisas em casa de Ann. De facto, sem a (ex) cara metade de Ann, a casa era definitivamente maior. Só agora Myra havia reparado que ele enchera a casa de tralha, enquanto lá esteve...
Com os seus pertences devidamente organizados, muita conversa posta em dia, e uma vontade doida de sair em busca do seu futuro, Myra comprara vários jornais, para poder procurar emprego. Depois de ler as notícias de alguns deles, espalhara os cadernos de classificados em cima da mesa da sala, e começou a seleccionar os mais interessantes e os menos interessantes, com marcadores diferentes.
Era um final de tarde morno, e Myra sentia-se sonolenta, especialmente depois do lanche que improvisara há não mais que meia hora; ouviu a porta, era Ann, chegada do trabalho.
- Olá, My. Ena, já estás aí em força a procurar emprego!! que tal? Muita coisa?
- Boas, Annie. Mais ou menos. Nada de extraordinariamente interessante, mas muita coisa para desenrascar.
- E logo tu, que já fizeste um pouco de tudo.
- Bem, não exageremos. Fiz o que foi preciso, quando foi preciso!
- Pois foi, sim senhor. Olha, temos visitas.
- Ai temos?
- Iapp. Um amigo meu.
- Um "amigo" teu??? - Myra dissera isto com um toque de ironia - e quem é o teu "amigo"?
- Frank. E não comeces. Conheci-o há uns tempos num dos jantares lá do edifício onde trabalho, e ficámos amigos. Um tipo interessante. Pode parecer um bocadito presunçoso, mas é boa pessoa. Damo-nos muito bem.
- Ai sim?
- Sim, My. Mas não faz o meu tipo de homem, se é isso que estás a pensar. Assim que o conheceres vais perceber porquê.
- Está bem, está bem. Já percebi. Se se passasse alguma coisa já me tinhas dito. Sei disso. Estou só a meter-me contigo.
- Sempre a mesma, My...
Myra riu-se, encolhendo os ombros. Realmente, sempre tivera o vício de juntar casais. Era muito casamenteira, e tinha previsto alguns dos romances dos seus colegas e amigos. Verdade seja dita, também tinha previsto algumas rupturas desses casais...
- A que horas temos cá o teu amigo? - perguntou Myra a Ann quase gritando, uma vez que esta que estava na outra ponta da casa a arrumar as compras que trazia consigo.
- Deve estar aí a chegar. - respondeu Ann, no mesmo tom.
- E vem para jantar?
- Vem. Mas não te preocupes, que já estou a tratar disso.
- Ok, deixa-me só aqui acabar uma página que já te vou ajudar.
Paasados uns minutos, Myra foi ter com Ann à cozinha.
- Olha lá, tenho que ir vestir alguma coisa mais formal para jantar, ou o teu amigo Frank é um tipo porreiro e não se põe a olhar de canto??
- Estás muito bem, My. Não te preocupes. Eu é que tenho que ir mudar de roupa num instante.
- Uuuiiiii...
- Myra, só vou vestir uman camisola lavada!!!! Estou a encher-me de nódoas a fazer isto, e não tem piada nenhuma receber visitas com este ar javardo!
- Ok, ok.... então e o que vamos ter para o jantarinho, cara chef?
- Coisa rápida.
- Ena, vamos mandar vir pizzas!!!!
- Não, Myra - disse Ann, rindo - Um carilzinho de gambas. Indian style.
- Boaaaa!! - Myra parou de repente - Espera lá... mas desde quando isso é uma coisa rápida de se fazer???
- Desde que eu tenho tudo pronto, é só juntar as gambas, quase.
- Estou enganada, ou tu já tinhas isto planeado????...
- MYRA!!! - Ann parou, de faca em riste, olhando ironicamente para Myra - Claro que estás enganada. Aliás, muito enganada. Insinuas que tenho algum interesse no Frank, mas de facto convidei-o mais por tua causa.
- Nãoooo!!! Ouve lá, a casamenteira aqui sou eu. Não há lugar para duas nesta casa! - disse Myra, rindo.
- Eh, eh, eh. Não é isso. Tu chegaste aqui agora, precisas de amigos. Eu empresto-te os meus!
- Ah, Annie, o que seria de mim sem ti - Myra dissera isto num tom irónico - Então quando o Frank chegar, podemos ir jogar às escondidas lá para baixo para o jardim?? Ó deixa, vá lá!!!!!!!!!!
Ann ria com vontade da expressão de Myra, que tinha tomado a postura de uma criança pequena a pedir algo à mãe.
- Está bem, My. Mas depois comes a sopa toda. - Disse, sorrindo maternal e ironicamente.
- Ena!!!!! - E Myra desatou a correr aos pulos pela sala, como se não tivesse mais que seis anos, catarolando.
Tocou a campaínha, em dois toques seguidos e curtos.
- My, atende aí, deve ser o Frank.
- Sim, Ann, eu abro a porta ao nosso príncipe e seu corcel alado - disse, ironizando.
- Ai, espero que ele não traga o corcel alado - Ann alinhara na ironia - não sei se há comida que chegue!
Myra parou de correr, endireitou a roupa, sacudiu o cabelo (reparou que Ann tinha passado a correr pela sala, provavelmente para ir trocar de camisola) e chegou-se ao interfone.
- Siiim???
- Ann?
- Não. - disse Myra, sustendo um risinho.
- Aaaaa.... mas é da casa da Ann, certo?
- É capaz de ser.... espere aí que eu vou ver - Myra decidira realmente gracejar.
- Mas... - ouvia-se do outro lado do interfone; era uma voz firme, forte, que caía bem no ouvido.
- É sim senhor, que eu já fui ver. E quem quer saber?
- Frank. A Ann está, por favor?
- Olá Frank!!
- Olá... - pela voz, o interlocutor do interfone estava intrigado com aquela conversa. Não era para menos...
- A Ann está, mas foi lá dentro mudar de camisola, vem já.
- Pois... eu tinha combinado com ela para jantar...
- E suponho que queira entrar, não é? - só depois Myra reparou que o tinha tratado por você...
- É, realmente, é isso.
- Então está bem. Suba. - e Myra carregou no botão que abria a porta do prédio, por um lado achando piada à conversa que acabara de ter com o amigo de Ann, por outro lado pensando se não tinha abusado... afinal ela não conhecia Frank, e não tinha meio de saber se ele seria pessoa para achar graça àquelas coisas, que no fundo eram tão infantis.
Enquanto Frank subia, Myra gritou para Ann, que ainda estava no quarto a vestir-se:
-ANN!!! O teu amigo tá quase aqui à porta! Então??
- Recebe-o, que eu já vou. - Ann parecia responder do fundo de um poço...
- Está bem. Olha, ele não morde, pois não??
- Não, só quando o irritam ou quando está com fome!!
Ambas diziam isto e riam como cranças pequenas.
Tocou novamente a campaínha, desta feita a da porta de casa, e Myra espreitou pelo olho mágico da porta. A imagem era distorcida, mas Frank parecia ter muito bom aspecto. "Ui, tão giro! Ann, tu e o teu excelente gosto para homens....", dissera baixinho.
Abriu a porta.
Frank era um rapaz alto, trinta e poucos anos, moreno; possuía uma figura elegante, mas era muito bem constituído (havia por ali indícios de frequência de ginásio, foi a ideia que ocorreu a Myra, ma non troppo); Vestia informal e confortavelmente, mas denotava-se o bom gosto a kilómetros: qualidade, apresentação e classe, devia ser a sua máxima. Era o tipo de homem que esbanjava charme, na mesma medida, quer vestisse um fato Armani, quer calças de ganga e camisa por fora, como era o caso. Impreterivelmente, Myra fez de relance uma pequena tentativa de vistoria às meias do convidado. "Bem, brancas não são", pensou, divertida (peúgas brancas, Pé-de-gesso, meínha de ir à missa....era coisa que abominava nos homens!...).
Ele exalava um perfume que Myra conhecia e gostava muito (Myra tinha por hábito analisar os homens também pelo seu tipo de perfume...), e estava impecavelmente barbeado ("acabadíssimo de sair do banho", pensou Myra); tinha umas mãos bonitas, grandes, e não usava adornos, apenas um relógio simples, discreto.
O rosto de Frank era bonito, prendia a atenção: boca carnuda, olhos grandes, castanhos, pestanudos, pele bem tratada. Tinha um ar simpático, mas ao mesmo tempo altivo. "Interessante," pensou Myra, "muito interessante, sim senhor".
- Com licença - Disse Frank, olhando com uma certa desconfiança para Myra - Tu deves ser a Myra, certo?
- Certo, Frank.
- Ah, Já sabes o meu nome e tudo.
- É, eu sou muito inteligente... E a Ann é realmente muito cuscivilheira. - disse Myra, num sorriso largo.
- Muito prazer - e Frank abriu um sorriso que Myra achou lindo, perfeito, e cumprimentou-a com dois beijos nas faces. Myra achou-o forte e carinhoso ao mesmo tempo, pela maneira como a puxou para a cumprimentar - Então e a Ann??
- Estou aqui, Frank. - Ann surgira nesse momento na sala. Ainda não acabei o jantarito, por isso faz o favor de te sentares e fazeres companhia aqui à minha amiga Myra. Acho que se dispensam apresentações, não é?
- Já passamos a fase dos nomes e do beijo na cara, se queres saber - disse Frank, sorrindo. Myra corou um bocadinho, e conduziu Frank até aos sofás e ligou a TV. .
- Senta-te, Frank, está à vontade. Bebes alguma coisa? - disse Myra, diligentemente.
- Não, obrigada, eu espero pelo jantar. Estou para ver que coisa esquisita é que a Ann vai cozinhar hoje.
- Ahh! Pois, já conheces os cozinhados exóticos aqui da nossa amiga... - na realidade, Ann pouco sabia de cozinha convencional... - tens que abrir um restaurante, Ann. Ganhavas uma pipa de massa.
- Só quando quiseres ser a minha maître, My. Quanto ao jantar de hoje, Frank, é como de costume: depois vês. Bem, meus queridos, com licença, que tenho as panelas à minha espera.
- Ok, chef Annie, não te preocupes q eu trato bem da nossa visita. - Disse Myra, rindo, com uma pronuncia exageradamente francesa.
Ann riu-se, disse um sonoro "Oh, Voilá!!!!" e desapareceu para dentro da cozinha.
Bluerussian